Confidências de um juiz-forano



Parodiando Carlos Drummond de Andrade, escrevi um poema para minha Juiz de Fora que está completando 162 anos.


Confidências de um juiz-forano

Muitos anos vivi em Juiz de Fora
Nasci na Maternidade Santa Terezinha.
Por isto sou feliz, orgulhoso: flexível como às águas. 
Noventa por cento criado nos papos do calçadão. 
Oitenta por cento nutrido pelas cervejas do Balcão. 
E não tenho alheamento a vida fora e dentro das montanhas devido a comunicação.


Tenho constante vontade de amar, que me incentiva a trabalhar,
vem de Juiz de Fora, noites nos bares, cheio de mulheres e sonhos.

E o hábito de rir, que tanto me diverte, 
é a doce herança juiz-forana.

De JF trouxe presentes que agora te ofereço: 
este pão de queijo, futuro produto de exportação,
este santo que não sei o nome, 
esta manta, para aquecer no sofá da sala de televisão,
este orgulho, esta cabeça erguida.

Nunca tive ouro, nunca tive boi ou vaca, tive terreno baldio para brincar. 
Para ser poeta, sou funcionário público. 
Juiz de Fora é uma tatuagem em minha alma.
Mas como me divirto!

PS - Perdão Drummond pela ousadia. 

Sem título

com a cidade
aos seus pés
a lua uiva
a captura da presa
que loba  por prazer
desafia pecado da gula
consumindo a carne
até restar somente os ossos
apenas para deixar a míngua
e demonstrar
ter mais poder que as ninfas

sem título

nem dia

nem noite

apenas transição

entre o agora

e o depois

sem título

em noite de lua cheia

brincando de pique esconde

entre as nuvens

morcegos arriscam rasantes

sobre pensamentos que passam

em toda direção

sem título


o olhar
não vê de perto
o mesmo
que não vê longe


o olhar
não vê de longe
o mesmo
que não vê de perto


de lente para perto
não se vê o longe
de lente para longe
não se vê o perto


o que se foca
nem sempre
é o foco
e o que desfoca
às vezes
é o foco


de perto
de longe
com foco
sem foco


só se vê
o que se quer
só não se vê
o que se quer

Sem título


meio-dia inclemente
nenhuma folha se atreve a mexer de tanta preguiça
no céu de brigadeiro
um urubu se arrisca a voar com uma asa só
com a outra se abana
usando um leque negro

sem título


toda poesia

tem um verso

(ou não?)

mas todo poeta

faz do revés

o inverso

e um verso

(20 de outubro - dia do poeta)

EM VERBO


a vida nasce em verbo

a vida cresce em verbo

a vida desenvolve em verbo

a vida renasce em verbo

verbo do verbo

a vida acontece em verbo

a vida do verbo é verbo

a vida acaba em verbo

a vida do verbo são todos os verbos

a vida do verbo são todas as conjunções verbais

verbo é verbo

por si só se basta em ser verbo

SEM TÍTULO

olhos fazem tim-tim de cristal

mesmo de cabelos brancos

um certo pudor adolescente

com vontade refreada de toque

 

entre fatos &fotos

preto & branco

passados a limpo

como se fossem leituras de jornais antigos

 

pequenos detalhes

são fios de meia de seda

marcando as páginas de um livro

ou a ousadia de subir sobre cadeiras e mesas

para recitar poetas mortos

 

muito mais

é repintar uma casa

toda de laranja-solar

para mesmo durante à noite

ter a sensação que o dia

está sempre nascendo

O BONSAI DE MARIA


apesar do vaso imenso
mesmo sendo diminuta
suas raízes espalhavam por todo aquele espaço

com um tronco fino
não havia vento que o fizesse envergar
era concreto
sobreposto a armação de ferro

os galhos tinham feições de pata humana
dois deles até pareciam
oferecer um pedaço de pão

o conjunto de todos os galhos
em dia de sol forte
oferecia abrigo a formigas cansadas
e por vezes alguma lesma
aproveitava desta bondade

suas folhas eram cheias de veias
eram linhas e mais linhas
como páginas de jornais
ou antigos contos
dos tempos do baronato do café

estava a tanto tempo
fincada ali que parecia ter sobrevivido
ao dilúvio e ao vesúvio

vez por outra
sempre na primavera
de seu caule brotavam mudas
que contadas eram nove
mas com certeza foram
muito mais de vinte

entre a sua copa
parecia existir um oratório
no mesmo dia que o deus ressuscitou
toda a seiva do bonsai secou

o bonsai mesmo morto
permanece onde sempre esteve
como se o mundo
ainda girasse ao seu redor
mesmo sem ele
nunca ter saído dali

a poeira permanece em sua pele
o verde da sala
onde ele sempre esteve
não é tão mais verde
mas é verde
tudo sobre ele

REENTRÂNCIA

todos os sentidos
desavisados
em candura
revelam desinibidos
cedem lugar as palavras sem recatos
quando os uivos
sinceros
não se importam de ferir
o silêncio de um olhar
fechado
porém vivo
igual saliva
que cai na noite
mesmo sem serenar
manchando
uma terra vazia
com tatos
guardados
pelo tempo
ainda por vir